Empréstimos Linguísticos e A Tradução
Na obra de VENUTI (2004), Jean Paul Vinay e Jean Darbelnet discutem sobre metodologias para a tradução. Para eles, vários métodos e procedimentos são usados, mas não são tão importantes. No entanto, podem ser condensados em poucos procedimentos indispensáveis no processo de tradução. No geral, esses procedimentos devem ser seguidos por tradutores que se utilizam de dois métodos comuns: a tradução direta e a tradução obliqua.
A Tradução direta trata-se de uma tradução literal. Já na tradução obliqua, o processo é diferente. A língua-alvo apresenta lacunas as quais o tradutor precisa preencher e garantir que o leitor tenha a mesma impressão ou sinta o mesmo efeito causado pelo texto original, pois a tradução direta não dá conta dessa transformação. Nesse processo ou por causa das diferenças estruturais e metalinguística, alguns efeitos estilísticos não podem ser transpostos na língua sem afetar a ordem sintática ou o léxico da língua-alvo. Nesse sentido, os autores afirmam que, é preciso usar métodos de tradução mais complexos, os métodos chamados oblíquos.
Eles observaram que, essas lacunas metalinguísticas são preenchidas pelo tradutor através de empréstimos linguísticos. O problema é que esses empréstimos muitas vezes são termos de outras línguas estrangeiras, pois eles, na visão do tradutor, causam o melhor efeito pretendido na língua-alvo. Na visão de Jean Paul Vinay e Jean Darbelnet, essas decisões e interesses de inserir novos empréstimos na língua-alvo são muitas vezes pessoais e devem ser evitados.
A tradução direta (literal) se mostra eficiente quando a tradução é feita entre línguas cujas origens são as mesmas (como por exemplo, as línguas latinas) e compartilham as mesmas culturas. Apesar disso, mesmo assim surgem as limitações. Há necessidades da utilização do método obliquo, pois no processo de tradução, constantemente, surgem lacunas entre as línguas. Dessa maneira, é dever do tradutor resolver esses problemas, acrescentando e adaptando novas palavras. Nem mesmo os dicionários são eficientes ou totalmente confiáveis no processo de tradução de palavras, de uma língua para outra. Portanto, o tradutor precisa está sempre pronto para solucionar esses tipos de problemas.
A partir de um texto original, algumas traduções são feitas através de métodos estilísticos diferentes para formar construções linguísticas equivalentes na língua-alvo. Quando alguém se machuca, ele ou ela vai expressar sua dor através de um som. Esse mesmo som tende a ser diferente em outras línguas. Por exemplo, em português esse som pode ser transcrito como "ai" enquanto em inglês passa a ser "ouch". Outros casos acerca das equivalências são as onomatopeias, sons produzidos por animais. O canto do galo em português (cocorico) tem seu equivalente em inglês (cock-doodle-do) entre outros exemplos.
Outros métodos de tradução equivalentes são muito comuns na tradução de provérbios e expressões idiomáticas. Mas alguns escritores bilíngues escrevem os provérbios ou expressões da língua de forma semelhante a do texto original, evitando assim a forma equivalente. Contudo, para esses autores, a responsabilidade de inserir essas construções na língua alvo é do escritor e não do tradutor. Apenas os escritores tem a liberdade de fazer isso. Se essa atitude surgir efeito positivo ou negativo, o credito ou o fracasso será do próprio escritor.
Nesse caso, para o tradutor, é aconselhável usar método de tradução tradicional, pois as acusações de uso de galicismo, anglicismo, germanismos, hispanismo etc. sempre estarão presentes quando um tradutor tenta introduzir um novo léxico. O Tradutor, portanto, deve tomar cuidado com as adaptações. Por sua vez, esse método de adaptação é mais conhecido e usado nas traduções simultâneas. As adaptações, entretanto, devem ser usadas com cautela, pois podem provocar perda das ideias, além de afetar a estrutura sintática, e pode comprometer toda a lógica da mensagem do texto original.
Jean Paul Vinay e Jean Darbelnet (em Venuti, 204) finalizam suas contribuições. Eles alertam que no campo da tradução, muitos tradutores trazem muitos empréstimos linguísticos para a língua-alvo. Na maioria das vezes são palavras de outras línguas. Às vezes, porém, tradutores criam ou inventam suas próprias palavras e as inserem na língua-alvo. E é dessa maneira, entre outras formas de empréstimos linguísticos, que novos léxicos surgem nas línguas. Todavia, essa prática deve ser cuidadosamente evitada pelos profissionais de tradução.
Ao falar sobre empréstimos linguísticos na língua portuguesa, Santos (online) afirma que "Os estrangeirismos são algo absolutamente natural na nossa língua como em qualquer outra. Portanto, o problema não é apenas o de que eles estejam invadindo nosso idioma, de que seja preciso brigar com eles e criar uma cruzada contra estrangeirismos. Somos absolutamente contrários a essa postura. Ao contrário dessa idéia, precisamos aceitar os estrangeirismos como algo absolutamente normal sob a perspectiva da língua." (SANTOS, online).
A esse respeito, para justificar seu ponto de vista, Santos sugere que o estrangeirismo é fato antigo que rege as línguas. Ele acredita que os empréstimos linguísticos são tão antigos quanto às próprias línguas. Essas não seguem leis determinadas pelo homem. A única lei que funciona na língua é a própria lei linguística. A língua só obedece à lei natural de cunho linguístico e que determina a aceitação ou não por parte da língua. Ele questiona o poder de exercer algum controle sobre a língua, principalmente, no que diz respeito à forma ortográfica da língua portuguesa.
Em relação aos empréstimos linguísticos, Santos explica que "a língua é um produto social, se ela é uma forma de expressão da sociedade que a usa, se ela se constrói num processo de troca, se apresenta variações lingüísticas e se se submete às próprias leis, deve haver um modo de lidar com as palavras estrangeiras. O controle da língua, se é possível fazer, só pode se dar por instrumentos legais que estejam ligados à questão da ortografia. Se não for em relação à ortografia, qualquer controle sempre vai se mostrar inócuo. Portanto, o instrumento legal que pode ser acionado nessa questão é a ortografia oficial brasileira, através do que preceitua o parágrafo único do Art.5° do Projeto de Lei n° 1.676/99, do deputado Aldo Rebelo." (SANTOS, online).
Santos defende o estrangeirismo na língua e, aceitar esse fato, é o modo mais efetivo de convivência sem traumas com o problema das palavras estrangeiras numa dada língua. Apesar de sugerir que as línguas não obedecem a leis impostas pelo homem, ele acredita que a garantia de funcionalidade da língua só é possível através da escrita, pois é na fixação da ortografia que o idioma se mantém preservado. Em outras palavras, ele se contradiz, pois acredita que a língua é capaz de obedecer e se comportar de acordo com regras ortográficas preestabelecidas.
Duarte (online), acerca dos empréstimos linguísticos na língua portuguesa, analisa alguns fragmentos inerentes a uma canção intitulada Samba do Approach, sob a autoria de Zeca Pagodinho e Zeca Baleiro: “Venha provar meu brunch”. Para iniciar seu artigo, Duarte se apoia nas palavras do pensador russo (Roman Jakobson) que se tornou um dos maiores linguistas do século XX. "Em matéria de língua não há propriedade privada; tudo é socializado.”
Ela afirma que o português é rico em palavras oriundas de línguas estrangeiras, de línguas célticas, germânicas e árabes. Além disso, atualmente palavras, principalmente, do inglês norte-americano são aportuguesadas. "Aportuguesadas sim, pelo simples fato de que passam por um processo de aportuguesamento fonológico e gráfico, como por exemplo, bife, futebol, xampu – tão presentes no nosso cotidiano que as proferimos sem ao menos nos darmos conta de que se trata de estrangeirismos, concebendo-as como se fossem genuinamente portuguesas." (DUARTE, online). Para ela, os empréstimos linguísticos são fatores relevantes para a língua, porém, devem ser utilizados de forma conveniente e nunca de forma abusiva.
Ao contrário de Santos (online), Farias (online) tem uma visão negativa em relação ao projeto de lei do Deputado Aldo Rebelo. Ela trata do tema, empréstimos linguísticos, e fala sobre o assunto através da fábula moderna da linguista Adair Pimentel Palácio, "A revolta das palavras". Essa fábula inicia-se da seguinte maneira: “Língua portuguesa convocou todas as palavras para uma Assembleia Geral. O motivo foi o veemente apelo que lhe fizeram alguns de seus súditos mais fiéis que se vangloriavam de conhecê-la por dentro e por fora."Farias continua e critica os equívocos do Projeto de Lei n°. 1676 de 1999, de autoria do Deputado Aldo Rebelo (PC do B/São Paulo), que dispõe sobre a promoção, proteção, a defesa e o uso da língua portuguesa e dá outras providências.
A esse respeito, Farias se coloca e severamente diz, "ao nosso ver, tem como fonte a idéia purista de uma língua homogênea, avessa a todo e qualquer elemento de origem alógena, que aqui possa tornar-se um inimigo externo, extremamente ameaçador da língua como “identidade nacional brasileira unitária e monolítica (...) Parece-nos estranho que essa visão de homogeneidade linguística não considere as quase 180 línguas faladas em território brasileiro. Nelas incluímos as línguas das diferentes comunidades européias, asiáticas e as línguas indígenas também." (FARIAS, online).
Concordamos com a autora, quando ele fala que "A verdade é que a idéia de uma língua única, sem qualquer diferença lingüística, sem marcas representativas de diferentes grupos, sem possibilidade de identificação de classes individuais e que torna todo brasileiro igual a outro é, no mínimo, ingênua. Essa língua realmente não existe!", pois como a própria autora afirma, “As línguas encontram nos empréstimos lingüísticos uma rica fonte de atualização lexical. Essa atualização deve-se principalmente aos avanços tecnológicos e à busca de novas formas de expressão pelo homem" (FARIAS online). Farias defende a ideia de empréstimos linguísticos nas línguas e pondera que isso não deve significar uma ameaça a unidade nem à língua nacional, pelo contrário, o empréstimo linguístico ajuda na intercomunicação entre indivíduos da língua-alvo.
Com base nos apontamentos de Jean Paul Vinay e Jean Darbelnet, as metodologias e, principalmente, os procedimentos de tradução contribuem para empréstimos linguísticos, no entanto devem ser explorados e seguidos com cautela, pois também compartilhamos a visão de que o tradutor não deve ter total liberdade de inserir na língua-alvo os léxicos, principalmente, os que por ele são criados. As normas existem para serem seguidas. Acreditamos, portanto, que haver a quebra de um paradigma é necessário que esta seja uma atitude comum entre pelo menos algumas comunidades de profissionais, neste caso, os tradutores e não uma atitude individual.
Santos (online) ver os estrangeirismos como um fator natural na língua, contudo, ver com bons olhos o projeto de Lei n° 1.676/99, do deputado Aldo Rebelo. Em contra partida, Farias (online) critica os equívocos do Projeto de Lei n°. 1676 de 1999, de autoria do Deputado Aldo Rebelo (PC do B/São Paulo). Já para Duarte (online), os empréstimos linguísticos são fatores relevantes para a língua, porém, devem ser utilizados de forma conveniente e nunca de forma abusiva. Precisamos ter equilíbrio em nossas práticas e seguir modelos apropriados e até mesmo adequá-los quando forem convenientes.
Apesar dos ricos apontamentos como também de algumas contradições, podemos dizer que todos os autores contribuem para o equilíbrio acerca dos empréstimos linguísticos e consequentemente as teorias da tradução. Enxergamos as diferentes visões como algo necessário na prática de tradução e nas línguas em geral. Sem dúvidas, qualquer língua, através dos empréstimos linguísticos, enriquece, se atualizam, evolui e se mantem viva para acompanhar e suprir as necessidades de seus falantes. Observam-se, muitas dessas contribuições surgem através dos métodos e procedimentos de tradução. Desse ponto de vista, o tradutor, com cautela e muita responsabilidade, tem um papel muito importante e essencial em ajudar na sobrevivência de uma dada língua. E por que não dizer, das línguas?
Referências Bibliográficas:
VENUTI, Lawrence.The Translation Studies Reader. Routledge, Taylor &Francis Group. London and New York. Taylor & Francis e-Library, 2004.
Um outro artigo muito interessante acerca do tema: Preconceito Linguístico
Um outro artigo muito interessante acerca do tema: Preconceito Linguístico
Referências Eletronicas:
SANTOS, Volnyr. Empréstimos lingüísticos: tradição e atualidade.
http://www2.camara.leg.br/acamara/conheca/historia/historia/cdnos500anos/seminarios/semin2/fala7.html. Acesso em abril, 2015.
http://www2.camara.leg.br/acamara/conheca/historia/historia/cdnos500anos/seminarios/semin2/fala7.html. Acesso em abril, 2015.
DUARTE, Vânia Maria do Nascimento. Empréstimos linguísticos.
http://www.mundoeducacao.com/gramatica/emprestimos-linguisticos.htm. Acesso em abril, 2015.
FARIAS, Emilia Maria Peixoto. Empréstimos linguísticos: o debate continua.http://www.mundoeducacao.com/gramatica/emprestimos-linguisticos.htm. Acesso em abril, 2015.
http://www.revistadeletras.ufc.br/Revista%20de%20Letras%20Vol.30%20-%201.4%20-%20jan.%202012%20.%20dez.%202011/rl30art18_Emprestimos_linguistico_o_debate_continua.pdf. Acesso em abril, 2015.
MORAIS, J. F. S.
Sobre o autor:
Graduação em Letras (Português e Inglês) pela Universidade Ibirapuera de São Paulo (2004). Especialista em Língua Inglesa pelo Centro Universitário Ibero-Americano (2008). Graduação em Pedagogia pela Universidade Nove de Julho (2012). Pós-graduado em Didática e Metodologia do Ensino Superior (2014) e tradução (Inglês e Português) pelo Centro Universitário Anhanguera de São Paulo (2016). Experiência no ensino de línguas desde 2000 e atualmente é professor em escola bilíngue e tradutor freelance.
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